Fotografias

As suas mãos enrugadas ao segurar os poucos cabelos que ainda existiam mostravam sua preocupação. Seus olhos inquietos confessavam que a alma continuava de menino, apesar do corpo não corresponder na mesma velocidade. A pele ressecada e a dificuldade motora anunciava a sua velhice.

Recentemente recebi uma foto extraída dos memoráveis álbuns de família, aqueles que mereciam quase sempre uma cerimônia para abrir: os adultos sentados no sofá da sala eram os primeiros a folhear as fotografias, fazendo-se valer do dia, hora e momento do clique quase sempre esperado. As crianças jogadas as chão na algazarra de quem seguraria o álbum após já serem vistos pelos mais velhos. Um rito que simbolizava a força da família e das alegrias carimbadas nos rostos, mesmo sendo a milésima vez que as imagens era relevadas diante os seus olhos.

Fazia parte do protocolo, uma visita inesperada ou um parente distante quando desembarcava era quase que obrigação rever as fotografias e detalhar os acontecidos. Os fatos eram narrados de geração à geração, as vezes aumentando um ponto, noutras inserindo invenções ou excluindo vexames.

Meu avô possuía uma gaveta recheada de fotos incríveis. Técnico em eletrônica e curioso na arte de fotografar, sucessivamente punha uma Nikon vinda do Japão em seu pescoço e garantia seu jeito de escrever poesias, traduzia emoções, eternizava o incomum. Não existia poses pré-definidas, obviedades… Vovô sabia congelava o inesperado facilmente.

Revendo as suas imagens espontâneas é como se pudesse sentir o amassado das roupas, o cheiro de lavanda de quem acabou de tomar banho, e perceber a poeira que subia na rua. Um alento sentar à beira da mesa sem dia específico e ir folheando o escolhido por ele para ser admirado: a primeira imagem na tevê, a enchente de 67, os sorrisos encantados… O cheiro de café às cinco e meia da manhã.

Acabamos com essa solenidade, as fotos digitais, as memórias abarrotadas do celular pouco nos oferece a graça de nos reunir na sala de estar com um suco geladinho para confraternizar o passado. O passado deixou de ser tão charmoso.

Vovô tinha delicadeza, desde o seu “olhe para mim”, como o “se arrisque”. O maior encorajador que eu pude conviver hoje receberia o seu abraço apertado pelo seu dia comemorativo, sem abraços e com lembranças do seu último dia de vida, e consequentemente, da última vez em que deitei ao seu colo, fico ecoando um “eu te amo” mútuo concedido com o resto de ar dos nossos pulmões.

Um dia com hoje é poder viajar nas suas fotografias de olhos fechados, fazer memória de um ontem tão perto que sou até capaz de alcançar e me entregar a uma navegação da vida humana com laços invisíveis, porém absurdamente seguros. É o abraço quente num dia chuvoso, é a certeza de que o “eu te amo” existe como uma presença genuína de bem-querer.

Feliz dia do avô, querido Jorge.

Sua melhor neta,

Juliana Soledade

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